Regina Navarro comenta o sexo mecânico e as inibições de homens e mulheres
Jorge é médico, tem 42 anos e está separado há sete. A boa aparência, a conversação agradável e o bom humor fazem com que não lhe faltem companhias, masculinas ou femininas. Nos últimos anos tem tido várias companheiras por uma única noite. Uma tarde Jorge chegou desanimado ao meu consultório: “Não aguento mais essa vida de transar por transar. Quando, depois de uma festa, acordo e vejo uma mulher dormindo na minha cama, me sinto péssimo. Olho no espelho e me vejo cheio de rugas”.
Ouvindo essa história, a primeira pergunta que surge é: “Por que Jorge levou a mulher para sua cama?”, ou seja, por que fazer sexo com uma mulher quando não existe desejo real por ela? Na nossa cultura o homem aprende desde cedo que para corresponder ao papel de macho não pode recusar nenhuma mulher. Deve estar sempre pronto para o sexo, independente de estar cansado ou sem vontade. E, é claro, as consequências podem ser desastrosas. Provavelmente a sensação de vazio e de envelhecimento que Jorge sente no dia seguinte é resultado de uma noite em que seu comportamento sexual foi mecânico e estereotipado. Talvez o mesmo não tivesse acontecido se, no encontro com uma mulher por quem se sentisse realmente atraído, ele buscasse uma troca verdadeira de prazer.
A questão é que na intimidade da vida de cada um, o sexo continua sendo para a maioria um problema complicado, difícil, cheio de dúvidas e autojulgamentos negativos. A liberdade sexual de hoje é mais falada do que realizada, ainda existindo em quase todos uma carência fundamental de sexo, tanto em quantidade como em qualidade. Não é sem motivo que Wilhelm Reich falava na miséria sexual das pessoas. Mas poucos se dão conta disso; as dificuldades sexuais são tantas que quando ocorre uma descarga sexual acham que foi tudo bem. E nesse caso a frase de Jung, “O pior inimigo do ótimo é o bom”, cai como uma luva. Mas, enfim, por que o sexo praticado entre nós é de tão baixa qualidade?
O ser humano possui uma amplitude sexual inigualável, podendo experimentar e viver a sexualidade desde a simplicidade reprodutora de um puritano até o êxtase do sexo tântrico. Para Reich, a saúde psíquica depende do ponto até o qual o indivíduo pode entregar-se e experimentar o clímax de excitação no ato sexual. As enfermidades, ao contrário, seriam o resultado do caos sexual da sociedade. Afinal, o ser humano é a única espécie que não segue a lei natural da sexualidade.
Para o terapeuta paulista José Ângelo Gaiarsa, sexo reprimido quer dizer liberdade reprimida. Ao restringir o sexo, a sociedade consegue ao mesmo tempo paralisar o indivíduo, isto é, torná-lo bonzinho, dócil, submisso, resignado, fácil de levar, de assustar e de explorar. E é por isso que o sexo é responsável pela maior perseguição na área dos costumes humanos e o maior mistério diante do óbvio. Gaiarsa não tem dúvida de que se o indivíduo vai ampliando, aprofundando e diversificando sua vida sexual, vai ficando corajoso para fazer as coisas. Vive com mais alegria, esperança e decisão. Portanto, pode ficar perigoso do ponto de vista da ordem estabelecida. Não foi à toa que todas as forças repressoras de todas as épocas se voltaram tão sistematicamente contra a sexualidade humana.
Dessa forma, os estereótipos tradicionais de masculinidade e feminilidade das sociedades patriarcais inibiram a capacidade de homens e mulheres para o prazer sexual. As mulheres tiveram sua sexualidade reprimida e distorcida, a ponto de até hoje algumas serem incapazes de se expressar sexualmente, muito menos atingir o orgasmo. Os homens, por sua vez, também tiveram a sexualidade bloqueada. A preocupação em não perder a ereção é tanta que fazem um sexo apressado, com o único objetivo de ejacular. A mulher, com toda a educação repressora que teve, ainda se sente inibida em sugerir a forma que lhe dá mais prazer. Acaba se adaptando ao estilo imposto pelo homem, principalmente por temer desagradá-lo.
Exercer mal o sexo é isso: não se entregar às sensações e fazer tudo sempre igual, sem levar em conta o momento, a pessoa com quem se está e o que se sente. É fundamental não ter preconceito nem vergonha, considerar o sexo natural, fazendo parte da vida. A busca do prazer pode então ser livre e não estar condicionada a qualquer tipo de afirmação pessoal. O sexo pode ser ótimo quando se cria o tempo todo junto com o parceiro e o único objetivo é a descoberta de si e do outro. Assim, ele deixa de ser a busca de um prazer individual para se tornar um poderoso meio de transformar as pessoas.
Entretanto, talvez isso não seja tudo e José Ângelo Gaiarsa tenha razão quando afirma que só seremos sexualmente satisfeitos no dia em que pudermos ter relações sexuais quando tivermos vontade, com quem tivermos vontade, do modo que for melhor para nós.
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