24 de janeiro de 2009

O Homem Virtual

Rafael Ruiz González
(Mestre em Direito - FADUSP)

A revolução informática é um fato indiscutível. Como indiscutível é também a série de enormes vantagens e benefícios que tem trazido para o quotidiano do homem: nos lares, nos escritórios, nas escolas, nas repartições públicas... Tudo ficou bem mais fácil.

Mas, por outro lado, é indiscutível também que a nova tecnologia está afetando toda uma geração - a geração virtual - criando novos hábitos, novas tendências, novas formas de relacionamentos.

O homem virtual, ao mesmo tempo que experimenta avanços incríveis no terreno do conhecimento de dados e da informação, está experimentando um progressivo desligamento da realidade real, a tal ponto que certos conceitos básicos não lhe dizem mais nada.

Veja-se, por exemplo, a noção de esforço. Como poderá alguém, criado num mundo virtual, ter se quer a mais mínima noção do esforço que é necessário despender para se conseguir qualquer coisa? Qual é a experiência real em que poderá basear-se para saber que nem tudo na vida - aliás, quase nada na vida real - se passa na velocidade de um processador de última geração?

É evidente que estar ligado na Internet no próprio quarto é algo extremamente vantajoso. Mas, não será o caso de se avaliar cuidadosamente os efeitos que essas vantagens estão trazendo sobre a educação da personalidade dos jovens? Toda revolução - desde a época dos gregos até a revolução francesa - tem vantagens e desvantagens. E assim como seria ridículo negar qualquer valor a uma mudança necessária pelo fato de trazer alguns inconvenientes, também seria próprio de cegos "voluntários" não querer ver as desvantagens que toda mudança provoca, não apenas nas vidas e nos comportamentos pessoais, mas também na sociedade como um todo.

O homem virtual esconde a sua verdadeira personalidade nas malhas da rede. É como se uma autêntica couraça, mais dura do que as antigas malhas dos cavalheiros medievais, o estivesse protegendo continuamente daquilo que mais tem medo: o relacionamento pessoal. Todo relacionamento humano, pessoal, afetivo, com alegrias e discussões, com acertos e desentendimentos é uma experiência única e necessária. O ser humano é de tal forma humano que nunca, definitivamente nunca, dias, semanas e meses de Internet poderão substituir quinze minutos apenas de um bom papo num botequim qualquer de uma esquina qualquer, descansando os olhos numas árvores de verdade e protegendo-se, sem muito cuidado, de uns raios de sol de verdade.

É um fato que todo relacionamento pessoal, afetivo, humano, dói. Assim como também nos faz amadurecer, aperfeiçoar-nos; ensina-nos a amar os outros, a tornar-nos mais compreensivos, mais solidários... ou seja, mais humanos entre os homens. Porém, o homem virtual nunca experimentou quanto tempo é necessário para criar um verdadeiro relacionamento: quantas horas passadas juntos, quantos minutos pensando nos problemas dos outros, quantas noites de sono mal dormido, quantos encontros e desencontros... Tudo isso faz sofrer, mas, porque sofremos é que podemos ter certeza de que amamos alguém. Se não amássemos, não sofreríamos com as vicissitudes da vida alheia. O homem virtual não tem tempo para amar. Pior, o homem virtual tem medo de sofrer e, por isso, não encontra tempo para amar. E, por isso, renuncia a todo e qualquer contato humano: prefere um bicho virtual, um amigo virtual, um relacionamento virtual, uma vida virtual.

Estamos talvez chegando ao fim de um processo de destruição do homem que começara com Nietzsche e se acelerara com Sartre. De fato, como Sartre predisse, para o homem moderno "o inferno são os outros". E se, de fato, é assim que a vida é, então é preferível viver outra vida, onde ninguém, absolutamente ninguém possa relacionar-se conosco - e, portanto, infernizar-nos a vida - a não ser que lhe entreguemos a nossa senha e - isto é o mais importante - possamos desligá-lo da tela na hora em que mais nos convier.

Um jurista italiano, presidente do Juizado de Menores de Milão, escreveu certa vez que "o esforço (a paciência como sofrimento) está ao serviço do objeto que se constrói - um negócio ou um casamento - através de um lento processo de criação, administração, controle dos problemas e dos impulsos individuais dos que estão envolvidos na realidade de que se trate". Talvez por isso é que resulta tão difícil para o homem virtual criar algo de sólido, enfrentar as dificuldades, controlar os desânimos..., numa palavra, enfrentar com caráter e inteireza de homem a própria realidade da vida. Talvez por isso a realidade virtual esteja criando outro tipo de homem, não já de carne e osso, cabeça e coração, mas um homem feito de "bites" e de redes, de ícones e "mouses", um homem verdadeiramente virtual."

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